quinta-feira, 20 de março de 2014

Chuvas de março: agricultoras e agricultores preparados para estocar água em suas tecnologias sociais

Com água armazenada nas tecnologias sociais, agricultores/as mantém a produção durante o período de estiagem. | Foto: Arquivo Asacom
Março é o Mês das Águas. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), é o mês que contempla o Dia Mundial da Água, data instituída em 1992 para debater o uso consciente da mesma e comemorada no dia 22. Março é também o mês de São José, padroeiro das chuvas: para os agricultores e agricultoras que têm devoção ao santo, se chover no dia 19 de março, é certeza de fartura de chuvas para a produção do ano todo.

Para os homens e mulheres que vivem da agricultura familiar e compõem a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), o momento agora é de se preparar para a armazenagem da água das chuvas em tecnologias sociais, guardando o suficiente tanto para beber quanto para produzir nos períodos de estiagem. Em alguns lugares que compõem a região semiárida, as primeiras chuvas já começaram a cair. 

É o caso do agricultor Alcides Ferreira, do Povoado Lagoa do Roçado, em Monte Alegre, Sergipe. No dia da entrevista, havia chovido de manhã cedo, garantindo a aguada de suas hortaliças. No local onde mora, ele cultiva pimentão, beterraba, cenoura, cebola, cebolinha, manjericão, chia e linhaça – algo que não poderia fazer no período do verão sem a água guardada por meio da cisterna-calçadão do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), conquistada em 2013.

“Antes, não tinha condições de manter as hortaliças. Com a água para o consumo humano e com a de produção, a mudança é grande. Agora a gente já pensa até em levar os produtos para vender na feira livre da cidade”, diz o agricultor, que ainda cultiva milho, feijão e fava no período do inverno, além de frutas como banana, acerola e goiaba.

Parcerias – Para garantir a estocagem de água, a ASA celebra em 2014 novas parcerias para construção de tecnologias sociais para primeira água – por meio do Programa Um Milhão de Cisternas – e para a segunda água – pelo Programa Uma Terra e Duas Águas. A meta para este ano é a construção de 53.025 cisternas rurais do P1MC e a realização de 44 mil implementações do P1+2 nos nove estados que compõem o Semiárido brasileiro, atendendo mais de 97 mil famílias. Desde o início do programa, em 2003, até hoje, 523.817 famílias conquistaram cisternas pelo P1MC. Em relação ao P1+2, que surgiu em 2007, o número de famílias que acessaram as tecnologias chega a 44.584.

Para Neílda Pereira, coordenadora da ASA pelo estado de Pernambuco, essas parcerias são fundamentais para o avanço na discussão sobre a convivência com o Semiárido, principalmente em relação ao acesso à água tanto para consumo humano quanto para produção. “São famílias que vão ter acesso a tecnologias de captação de água e a partir delas podem melhorar sua condição de vida no Semiárido, uma região historicamente com pouco acesso a políticas públicas que dialoguem com a realidade”, enfatizou.

Neste ano, o P1MC irá construir 10 mil cisternas de 16 mil litros junto com a Fundação Banco do Brasil (FBB), 25 cisternas escolares de 20 mil litros, em parceria com a Fundação Avina, e 43 mil cisternas de 16 mil litros pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS). Na avaliação de Rafael Neves, coordenador do P1MC, os números geram impacto na vida de mais de 50 mil famílias. Desde o início do programa, mais de dois milhões de pessoas já conquistaram o acesso à água a partir das cisternas de placa do programa. A primeira água é usada para beber e cozinhar.

“O desafio é garantir o atendimento dessas famílias à água de beber, permitindo a universalização do acesso à água. Ao mesmo tempo, esses agricultores passam a ter contato com a ATER e com a própria rede ASA, a participar de outros espaços políticos e a ter autonomia para decidir como vão usar a água, deixando de lado a dependência. Os agricultores e agricultoras se qualificam para conquistar também as tecnologias do P1+2”, afirma Rafael.

Outro destaque feito por Rafael é em relação às cisternas nas escolas. Ele explica que, apesar de o número de construções das cisternas escolares ser pequeno, a importância não é menor: muitas vezes, no período de seca, o ano letivo para por conta da falta d’água. A parceria permite, assim, que as prefeituras consigam manter esse abastecimento e a permanência dos estudantes em sala de aula.

Água que se transforma em alimento – No P1+2, a meta para 2014 é de 20 mil tecnologias implementadas em parceria com o MDS, oito mil implementadas com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), 12 mil realizadas em parceria com a FBB e quatro mil junto com a Petrobras. Entre as tecnologias contempladas nesses projetos estão cisterna-calçadão, cisterna-enxurrada, barragem subterrânea e barreiro-trincheira. Os usos da segunda água são voltados para produção de alimentos e criação animal.

A agricultora Marta Barbosa, da comunidade Lagoinha, em Ibaretama, no Ceará, já vive exclusivamente da agricultura familiar, trabalhando na roça, no “meu espaço”, como costuma dizer. Lá cuida dos animais e tira o sustento da sua família. Para ela – que conquistará uma tecnologia do P1+2 este ano, a partir do acordo de cooperação da ASA com o BNDES –, a possibilidade de ter água estocada para a produção é aguardada com grande expectativa. 

“Vou trabalhar com responsabilidade, pois sei bem o valor da água. A gente que trabalha com terra sabe o valor de uma cisterna. Vou utilizar da melhor maneira, plantando alimentos sem veneno, frutas e verduras. Vou ter água para o meu quintal e as galinhas e aumentar a qualidade de vida”, comemora Marta. Que venham as tecnologias e as chuvas, então.

 *Com a colaboração das comunicadoras populares Aparecida Amado (CDJBC/SE) e Mayara Albuquerque (IAC/CE) e da animadora de campo Gilvania Freitas (IAC/CE)

Mariana Reis - jornalista da ASACom*

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